Sejamos todos vizinhos

Vizinhança, mais que um conceito espacial, era antigamente um conceito afetivo. Nos meus tempos de criança em Cachoeiro de Itapemirim, todos éramos vizinhos: vizinhos de mais perto ou vizinhos de mais longe, mas todos afinal vizinhos.

Nas cidades do interior, este sentimento de estarem próximos uns dos outros perdura até hoje.

A cidade grande afasta as pessoas. O atropelo da vida, os compromissos, o medo são fatores que dificultam a convivência.

Nos edifícios da cidade grande, os vizinhos às vezes nem sabem o nome uns dos outros, o que não é, felizmente, o caso do edifício onde moro, na Praia da Costa (Vila Velha, ES).

Fui a recente reunião do condomínio com uma ideia na cabeça. Quis logo ver a pauta – condomínio que se preza sempre tem a pauta das reuniões. Fiquei a conjeturar em qual daqueles itens caberia minha intervenção: prestação de contas, rateio de uma despesa extra, melhoria em áreas comuns. Em nada disso se encaixava o que eu tinha a dizer. Vejo então, no final da pauta, o item salvador, onde tudo cabe: assuntos gerais. Espero o desenrolar dos trabalhos e quando o síndico anuncia os “assuntos gerais”, peço a palavra. Proponho então ao grupo que precisávamos fortalecer ainda mais nossos laços de vizinhança. Em abono da tese, começo lendo a crônica “Recado ao Senhor 903”, do inigualável Rubem Braga:

“Vizinho – Quem fala aqui é o vizinho do 1003. Recebi, outro dia, consternado, a visita do zelador, que me mostrou a carta em que o senhor reclamava do barulho em meu apartamento. Quem trabalha o dia inteiro tem direito ao repouso noturno e é impossível repousar no 903 quando há vozes, passos e músicas no 1003. Peço-lhe desculpas, prometo silêncio… mas que me seja permitido sonhar com outra vida e outro mundo, em que um homem batesse à porta de outro e dissesse: ´Vizinho, são 3 horas da manhã e ouvi música em tua casa. Aqui estou.´ E o outro respondesse: ´Entra, vizinho, e come do meu pão e bebe do meu vinho!”

Não obstante a veemência com que defendi a “vizinhança amiga”, lembrei-me de uma lição que aprendi do Professor Aylton Rocha Bermudes, quando fui seu aluno no ginásio: “Na argumentação, o gesto tem mais força que a palavra.” Tirei então do bolso um comprimido de Isordil e disse: na iminência de um ataque cardíaco, posso precisar de um comprimido como este debaixo da língua. Nessas circunstâncias, qualquer dos vizinhos pode salvar minha vida.

Através deste texto a ideia salta dos limites do meu condomínio para conhecimento geral, como um apelo a todos os moradores de todos os condomínios: é preciso humanizar a vida na cidade. Salve o vizinho!

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