Ganhou espaço nas redes sociais a história de uma influenciadora digital que, no meio da pandemia, alugou um imóvel e, após reformá-lo, supostamente precisou sair do imóvel por conta do reajuste do valor da locação. No que pese a inexistência de clareza sobre alguns pontos deste confuso acontecimento, nos interessa aqui debater as consequências da reforma, pelo locatário, do imóvel alugado e quais os seus direitos após o fim da relação contratual.
O contrato de locação é regido pela Lei de Locações, que reconhece a importância desta relação jurídica para fins de acesso a moradia e, por isso, estabelece normas que devem ser observadas por ambas as partes, locador e locatário.
Dito isto, a locação se inicia por meio de um contrato, preferencialmente escrito, no qual as partes estabelecem todas as condições do negócio (finalidade da locação, tempo de contrato, valor do aluguel, dentre outras coisas que podem ser objeto de livre acordo pelos contratantes). Considerando que o locador deve devolver o imóvel nas mesmas condições em que o recebeu (salvo estipulação em contrário), é aconselhável a realização de um laudo de vistoria no momento inicial da locação e outro no momento final dela, a fim de que fique claro às partes o que deve ser reparado pelo locatário e, eventualmente, indenizado pelo locador.
No curso dos meses/anos de locação, pode acontecer do locatário realizar intervenções necessárias no imóvel a fim de conservar a coisa e evitar seu perecimento ou deterioração. Essas intervenções são chamadas de benfeitorias necessárias e, salvo expressa previsão em contrário, são de responsabilidade do locador, que deverá ele mesmo custeá-las ou ressarcir o locatário (diretamente ou mediante desconto no valor do aluguel). Vale também dizer que o locatário não é obrigado a sair do imóvel enquanto estes valores não lhe forem reembolsados (direito de retenção).
Entretanto, pode ser que as intervenções feitas pelo locatário não tenham como finalidade principal a conservação da coisa, mas sim algo que aumente a utilidade da coisa, como reforma dos armários ou repaginação interna do imóvel para que melhor sirva aos interesses do locatário (benfeitorias úteis) ou, então, sirva apenas como embelezamento do imóvel (piscina no deck, inserção de mármore ou granito nas paredes e pisos, dentre outros), o que se convencionou chamar de benfeitorias voluptuárias.
As benfeitorias úteis devem ser, salvo previsão expressa em contrato, reembolsadas pelo locador, porém devem ser por ele autorizadas previamente. A falta de autorização faz com que o locador não tenha que reembolsá-las. Já as benfeitorias voluptuárias não devem ser, salvo previsão expressa em contrato, reembolsadas pelo locador, fazendo com que o locatário arque com esse investimento por conta própria, podendo, todavia, levá-las embora caso isso não cause dano ao imóvel (sendo possível que este dano seja resolvido pelo locatário).
Além disso, ao término do contrato de locação, o locador deverá devolver a coisa no mesmo estado em que a recebeu, salvo as deteriorações decorrentes do uso normal da coisa, hipótese na qual as benfeitorias serão incorporadas ao patrimônio do locador, mediante reembolso, com exceção das benfeitorias voluptuárias, que permitem ao locatário o seu levantamento.
Por fim, não existe a hipótese de, tendo feito intervenções no imóvel de qualquer natureza, o locador exigir qualquer reajuste no valor do aluguel. Estando vigente o contrato de locação, o valor pactuado é o que deverá ser pago pelo locatário, sendo permitido apenas o eventual reajuste anual segundo o índice adotado em contrato.
Por Marcelo Chiavassa de Mello Paula Lima, professor de Direito Civil, mestre e doutor em Direito
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