Mas eu não tinha palavras para dar ao que habitava meus pensamentos. Carecia de conceitos, fundamentos. Tudo era só mangas e cajus, areia e céu sem nuvens, formigas e lagartas, sujeira e muros, asfalto, cheiro de fumaça azulada. Insônias e temores.
A escola era o oásis do deserto do cotidiano de dores. Da porta para dentro, havia adultos que olhavam para mim, perguntavam o que eu sabia e se eu tinha alguma pergunta. Havia livros com imagens do universo e dos micróbios, dos macacos de olhos claros e das doenças que arrepiavam os pelos dos meus braços. Havia a estória de baleia, a cachorra que sonhava com preás e que me fez desejar pela primeira vez, ser escritor. Havia desenhos, ângulos, fórmulas, havia colegas com olhos de fascínio e desconhecimento, medo e avidez por um campo que se abria e florava (cactos) e ficava cada vez mais árduo e quente, intenso e áspero.
E havia aqueles adultos que não me negavam o tempo, o espaço, a moldura de quadros de outras épocas, visões do paraíso e do purgatório, “deus ao mar, o perigo e o abismo deu, mas nele é que espelhou o céu.” E eu bebia e não me fartava.
O que seria de quem eu sou se não fossem aqueles adultos cujos nomes me escapam, mas cuja tessitura de minha alma tem fios de seus corpos entrelaçados?
O que seria de quem eu sempre quis ser sem horizontes alargados por seus repertórios e consciências?
O que seria de quem ainda sonho em ser sem o compromisso que acertei silenciosamente com eles de não deixar romper o elo da corrente?
Professores! Desde a primeira, a quem ainda chamava “tia”, tia Adla, que um dia, nos meus parcos 7 anos, disse-me as primeiras palavras de incentivo. E o professor Albuquerque, sisudo, seco como o Fabiano que me apresentou, seiva em minha vida seca de guri sem graça. E o professor Teixeira que nos impunha provas orais, pânico antes da convocação, glória depois das respostas dadas à custa de noites mal dormidas. O professor Alcides, observador arguto de minhas letras ainda tortas mas aparentemente promissoras. E outras e outros. Minha vida é um mosaico de suas palavras e entregas.
E aí, 15 de outubro, dizem-me: “feliz dia do professor”. E eu apenas sorrio, ainda tímido, meus pais ainda vivos e orgulhosos do filho “famoso”, que aparece na TV e escreve pros jornais.
Mas meu sorriso é para eles. Mestres da minha vida. Estradas. Meu caminhar não seria mais do que quebrar galhos e tropeçar em minhas próprias pernas sem seus olhares carinhosos, atentos, severos, honestos, profundos, responsáveis.
E há quem pense ser possível esse país ser algo sem que eles estejam à frente.
Ah, quimera. Ah. Que lástima.