Mau vizinho é qualquer um

Nas relações de vizinhança, pouco importa a que títu- lo alguém utiliza um imóvel; sendo morador ou simples usuário do bem, ele responde pela transgressão das nor- mas que disciplinam a convivência.

Nas relações de vizinhança, pouco importa a que título al- guém utiliza um imóvel, se na qualidade de proprietário, comodatário, inquilino, possuidor, cessionário ou outro

qualquer. Sendo morador ou simples usuário do bem, ele responde pela transgressão das normas que disciplinam a convivência entre pessoas que residem ou trabalham próxi- mas umas das outras.

Este entendimento foi confirmado por decisão do Supe- rior Tribunal de Justiça, em acórdão (REsp 622.303-RJ ou 2003/0221270-7) relatado pela ministra Nancy Andrighi, cuja ementa mostra o seguinte cerne:

“O ocupante do imóvel é parte legítima para figurar no polo passivo da ação de obrigação de fazer, ajuizada pelo proprie- tário ou pelo inquilino do imóvel vizinho, fundada no mau uso da propriedade.”

Uso nocivo

A ação inicial teve como escopo obrigar um vizinho a re- mover “cerca de 25 cães” do imóvel onde reside, ao argumento de que isso representava uso nocivo da propriedade, “contra- riando as disposições condominiais e as regras de urbanidade e de boa vizinhança”, como explica a ministra relatora.

Julgado parcialmente o pedido, em sede de apelação o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro confirmou a sentença, no sentido de limitar a três o número de cães admissíveis em uma residência, ditando tal ordem com base em dispo- sição legislativa (Decreto 6.235/86, art. 203) pela qual “es- tabelecimentos que criem animais não podem se localizar a menos de 50 m das divisas vizinhas”. Manter 25 animais numa casa ultrapassa os limites da necessidade humana de possuir a companhia de um bichinho de estimação. Incon- formado, o dono dos cães interpôs recurso especial ao STJ.

Em seu voto, a ministra Nancy Andrighi apreciou a legi- timidade passiva da parte, questão suscitada sob a alegação de que a ação deveria ser movida contra a “empresa promis- sária compradora do imóvel”, tendo em vista o que prescre- via o Código Civil de 1916 a respeito:

“Art. 554. O proprietário, ou inquilino de um prédio tem o direito de impedir que o mau uso da propriedade vizinha possa prejudicar a segurança, o sossego e a saúde dos que o habitam”.

Posse direta

Embora a lei só se refira ao “proprietário, ou inquilino de um prédio”, o preceito insculpido no artigo citado, as- sim como no artigo 1.277 do Código Civil de 2002 que o substituiu – lembra a relatora –, “há de ser oponível ao res- ponsável pela alegada perturbação, que não é necessaria- mente o proprietário do imóvel”. Cita Pontes de Miranda, para quem a ação pode ser movida contra o proprietário ou contra quem “exerça a posse direta”, no caso, não só o inquilino, como “o foreiro, o usufrutuário… o usuário… o habitador… o credor anticrético”.

Em conclusão, diz a ministra: “Assim, a obrigação de não causar interferências prejudiciais à segurança, ao sossego e à saúde surge da qualidade de vizinho e não da de proprietário.” Votando com a relatora, o ministro Antônio de Pádua

Ribeiro afirmou que:

“Pelas próprias regras do bom senso, não há conceber como possa um apartamento destinado à moradia de pessoas ser desvirtuado de tal forma a ser habitado, em última análise, por animais domésticos”.

Completou a decisão unânime o ministro Carlos Alberto Menezes Direito.

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