Tendo havido abandono ou mudança nas circunstâncias, o bem de família é suscetível de usucapião. A jurisprudência do STJ reconhece como justo título, hábil a demonstrar a posse, o instrumento particular de compromisso de venda e compra. O bem de família, sobrevindo mudança ou abandono, é suscetível de usucapião. As duas assertivas, extraídas de ementa de acórdão do Superior Tribunal de Justiça, exprimem a beleza do direito em sua hora mais pungente: o conflito de interesses.
Como mostra o ministro Barros Monteiro, relator do recurso especial 174.108-SP (1998/000333247-2), vários autores ingressaram com ação reivindicatória contra outros demandados, sob a alegação de que os réus ocupam indevidamente parte de imóvel localizado em município paulista. O bem havia sido adquirido em 1952, “por escritura pública de venda e compra e instituição de bem de família”.
Os réus contestaram arguindo que adquiriram a área há mais de trinta anos, por “instrumento particular de Compromisso de venda e compra”, do pai e sogro dos auto- res, requerendo a usucapião da propriedade.
Em decisão de 1º grau, o juiz entendeu que a posse era injusta, sendo “insuscetível de usucapião o bem de família”. No Tribunal de Justiça de São Paulo, os réus reverteram a situação, obtendo o reconhecimento da prescrição aquisitiva. No acórdão paulista ficou consignado que:
“A parcela reivindicada nunca foi destinada ao fim instituí- do, tanto que [estava] na posse dos réus e [na do] antecessor por cerca de trinta anos, como os próprios autores reconhecem (…), por isso que tal pedaço perdeu as características de bem de família”.
Informa ainda o relator que, em apelo ao STJ, os autores reiteraram que o bem de família é insuscetível de usucapião e que “os réus não possuem justo título, uma vez que a promessa de venda e compra apresentada vem por cópia sem autenticação, sem registro, sem assinatura dos comprado- res, sem outorga uxória, sem testemunhas instrumentárias e sem o reconhecimento de firma”. De nada adiantou.
Em seu voto, o ministro Barros Monteiro indica que o compromisso de venda e compra, ainda que desprovido de registro, é tido pela jurisprudência do STJ “como título hábil a embasar a ocorrência da usucapião ordinária”. Justo título, como esclarece o ministro Ruy Rosado de Aguiar, em acórdão citado pelo relator, “é aquele que explica juridicamente o exercício da posse”, ou, nas palavras do magistrado paulista Benedito Silvério Ribeiro, “o conceito de justo título, para efeito de usucapião, tem recebido uma abrangência maior, perdendo o caráter restritivo que lhe dava a doutrina”.
No tocante à circunstância de o imóvel ter sito instituído como bem de família, tal fato, segundo o ministro, “não constitui motivo impeditivo ao aperfeiçoamento da usucapião”, porque não mais subsistiam as razões que levaram o primitivo proprietário a colocar o terreno a salvo de execuções por dívidas, pois há muito tempo a família deixara de ocupar a propriedade como seu local de residência. Acompanhando o voto do relator, a Quarta Turma do STJ, por unanimidade, não conheceu do recurso.