O Supremo Tribunal Federal, em decisão plenária proferida em abril de 2020, ao analisar a constitucionalidade da MP nº 927/2020, decidiu suspender o artigo 29, o qual não considerava doença ocupacional os casos de contaminação de trabalhadores pelo coronavírus. A decisão foi proferida no julgamento de medida liminar em sete Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIs) ajuizadas contra a MP.
Em resumo, com esta decisão, o STF permitiu a possibilidade de que a Covid-19 pudesse ser considerada doença ocupacional com base na legislação trabalhista.
Desse modo, o empregado que contrair a Covid-19 pode alegar que se trata de doença laboral adquirida em decorrência do exercício do seu trabalho. Em sendo reconhecido o nexo de causalidade entre a atividade desenvolvida e a doença adquirida pelo empregado, o funcionário poderá ter direito aos seguintes benefícios trabalhistas: i) recebimento do auxílio doença acidentário pago pelo INSS; ii) estabilidade no emprego pelo período de 12 meses após a cessação do auxílio doença; iii) eventual indenização por danos morais e materiais em caso de lesão (temporária ou permanente) ou morte decorrente da doença.
A grande importância deste entendimento é o alerta para as empresas de que há a necessidade de adoção das medidas sanitárias para evitar a contaminação, fiscalização do cumprimento de tais medidas, além de guardar todos os documentos que comprovem a adoção destes cuidados. O intuito desta cautela é afastar a existência do nexo causal.
Em recente acórdão proferido pela 9ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região, publicado em março de 2021, o Tribunal reconheceu a natureza ocupacional da Covid-19 adquirida por alguns funcionários em decorrência da não adoção pela empregadora de medidas suficientes para reduzir os riscos de contágio ao coronavírus.
Por meio do acórdão proferido nos autos nº 1000708-47.2020.5.02.0391, o TRT da 2ª Região negou provimento ao recurso ordinário interposto pelos Correios, em face da sentença da ação civil pública proposta pelo sindicato da categoria que determinou a obrigação de fazer da empresa para, dentre outras obrigações específicas de prevenção ao covid-19, emitir os CAT para os empregados que contraíram a doença no período em que estavam trabalhando.
A Relatora do recurso, desembargadora Valéria Pedroso de Moraes entendeu que “o contágio dos empregados, se deu na mesma época. Pelo conjunto probatório e pelo que se discute nos autos, concluo que efetivamente, a ré não tomou à tempo e modo, todas as cautelas e medidas para a para prevenção da contaminação da doença no ambiente de trabalho. Eventual barreira adota pela ré, não foi o suficiente para a contenção necessária, dada a gravidade da situação de pandemia.”
Asseverou ainda a eminente desembargadora que “o que não deve é, sob pretexto de adotar protocolos próprios, deixar de observar, em prejuízo aos empregados, o patamar mínimo regrado como, por exemplo, o fixado pelo Protocolo de Testagem – Covid 19 do Estado de São Paulo, como já motivado no presente voto e analisado item a item”.
Contudo, apesar de ser este um importante precedente, há que se destacar que o entendimento jurisprudencial sobre o tema ainda não é consolidado.
Ao apreciar o pedido de reconhecimento do nexo causal da covid-19 adquirida por uma funcionária da área administrativa de um hospital, o juiz do Trabalho Elmar Trot Jr., nos autos nº 1000899-41.2020.5.02.0311, entendeu pela inexistência do nexo de causalidade: “o contágio desta doença ocasionada pelo vírus vem atingindo a população em escala mundial de forma vertiginosa, em razão da interconexão dos países, resultante assim, em uma pandemia. (…) Ainda que assim não fosse, reconhecendo o maior risco de contaminação dos trabalhadores da administração de um hospital, para fins de responsabilidade objetiva (o que ainda, assim, necessitaria da demonstração do nexo causal) a reclamante não apresentou nenhum tipo de incapacidade após o seu retorno ao labor”.
Diante destas recentes decisões judiciais, o importante é que as empresas estejam alerta quanto à necessidade de implantação e fiscalização dos protocolos e medidas de segurança que devem ser adotados para prevenção da contaminação da Covid-19 no ambiente de trabalho, municiando-se dos documentos que comprovem o cumprimento de tais medidas.
Por Gisele Bolonhez Kucek, advogada formada pela Faculdade de Direito da UFPR, mestra em Direito Empresarial e Cidadania pelo UNICURITIBA, sócia de Derenne e Bolonhez Advogados Associados.