Ministros mantêm prisão de traficante, mas criticam poder do presidente do STF

Por 9 votos a 1, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu manter a prisão de André do Rap, um dos líderes da facção criminosa PCC, votando a favor da decisão do ministro Luiz Fux em suspender a liminar que permitiu a soltura do traficante, concedida pelo ministro Marco Aurélio Mello.

“A volta do traficante à prisão, apesar de estar foragido, está determinada, é um fato”, pontua o advogado Vinicios Cardozo, especialista em Direito e Processo Penal. “No entanto, ao mesmo tempo em que referendaram a suspensão do habeas corpus, os ministros discutiram a interpretação do artigo 316 do Código de Processo Penal (CPP) e, talvez até mais importante, debateram o poder do presidente do Supremo para derrubar decisões liminares (provisórias) dos demais membros da Corte”, observa.

Excepcionalidade

De acordo com Cardozo, “os ministros concordaram com os argumentos do presidente do STF em pedir a cassação do habeas corpus, por se tratar de um criminoso de alta periculosidade e trazer risco à ordem pública, mas questionaram a postura de Fux de suspender decisões tomadas por colegas, o que certamente será objeto de debates futuros na Corte, e mesmo entendendo a excepcionalidade do caso, alertaram que esse expediente deve ser uma exceção e não uma regra dentro do Supremo e que decisões da Corte devem ser tomadas de forma colegiada”, assinala o advogado.

Último a votar, o ministro Marco Aurélio assegurou que está convencido que acertou na implementação da liminar que soltou André do Rap. Repetiu que não feriu a legalidade, porque tomou a decisão amparado pelo artigo 316 do CPP. Ele criticou a prática da autofagia no STF, destacando que quem ganha com isso é “a vaidade do presidente da Corte”, salientando que seu voto é pela inadmissão da possibilidade de um presidente do Supremo cassar a decisão de outro ministro, classificando o ato como “autoritário”.

Cardozo lembra que o artigo 316 prevê que a prisão preventiva deve ser revista a cada 90 dias pelo juiz que a decretou, e caso não haja reanálise da necessidade da segregação cautelar, significa estar diante de uma prisão ilegal, sob o ponto de vista jurídico penal e, portanto, deve ser revogada.

Justificativas

Segundo o advogado, é, em verdade, uma medida que impõe limite ao poder estatal. “Para se ter uma ideia, os dados atuais do Infopen 2019, sistema de informações estatísticas do sistema penitenciário brasileiro, apontam que cerca de 33% da população carcerária brasileira é composta por prisões cautelares. Impor a necessidade de revisão dos motivos que ensejam estas prisões, muito além da falácia que beneficia a criminosos, é algo necessário para evitar prisões injustas e por tempo indeterminado”, pondera o advogado.

Ao votarem a favor da manutenção do traficante na prisão, os ministros justificaram que cabe apenas ao órgão julgador a responsabilidade de conceder habeas corpus com base no artigo 316 do CPP, que dá ao preso o direito de reexame do decreto de prisão preventiva, e não a liberdade automática em razão da ausência de revisão após o término do prazo.

Problemas no STF

Cardozo analisa que a liberação de André do Rap e a suspensão da decisão liberatória levantaram problemas no STF. “Quanto à decisão de liberação, o ministro Fux afirma que não poderia o ministro Marco Aurélio conceder a ordem de habeas corpus porque a decisão questionada era uma liminar monocrática de ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ), portanto, haveria supressão de instância”.

O advogado ressalta que de outro lado, o ministro Fux historicamente defende a tese de que não cabe habeas corpus contra ato de ministro do STF. “O próprio Regimento Interno da Corte Superior veda esse tipo de decisão ao passo que a lei que permite suspensão da liminar não trata deste tema e foi utilizada como fundamento da possibilidade de cassação da decisão, ou seja, como subterfúgio para cassar a decisão em contrassenso à tese que o ministro defende”, salienta Cardozo.

Portanto, “Fux levou ao plenário do STF a decisão sobre André do Rap e o plenário do STF discutiu tanto o prazo para rever prisões preventivas e os efeitos do excesso de prazo previsto no caput do art. 316 do Código de Processo Penal, como o poder do presidente da Corte para cassar decisões liminares dos demais ministros”.

Presunção de inocência

Quanto à questão de outros criminosos também pedirem para sair da prisão sob o mesmo argumento usado pelo ministro Marco Aurelio, Cardozo enfatiza que primeiro, deve-se ter em mente o predicado legal fundamental trazido pelo artigo 5º, inciso LVII, da Constituição Federal, que preceitua que ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória. “Significa dizer que ninguém será considerado criminoso, até que o processo se encerre, e se tenha uma decisão definitiva sobre um fato tido como criminoso e a pessoa que o cometeu. No direito, isto é chamado de presunção de inocência”, explica.

Desta forma, Cardozo argumenta que é seguro afirmar que outras pessoas presumidamente criminosas podem e devem requerer sua liberdade sempre que sua prisão cautelar for manifestamente ilegal, e não é este o problema. “Quando se fala em prisão preventiva, deve-se ter em mente que é uma prisão cautelar, anterior a uma prisão definitiva, com razão de ser absolutamente diversa da prisão para cumprimento de pena”, acentua.

Em se tratando de prisão cautelar e que há relevante risco de se privar a liberdade de pessoa inocente, a lei prevê requisitos para sua concessão e sua manutenção, tudo com o fim de evitar a prisão de inocentes, geralmente incapazes de constituir bons advogados, por longos períodos de tempo sem julgamento. “Ou seja, outras pessoas que se encontrem em prisão cautelar e que estejam ausentes os requisitos autorizadores para sua manutenção, podem buscar o Poder Judiciário para obter a concessão de sua liberdade”, sublinha Cardozo. Ele alerta que a situação de presos que se encontrem efetivamente cumprindo pena em processos que já transitaram em julgado é diferente, e para eles, o art. 316 do Código de Processo Penal não se aplica.

Justiça criminal

Em relação à fuga do traficante, Cardozo afirma que é, talvez, o maior problema da justiça criminal. “De um lado, há alguém acusado do cometimento de crimes, por vezes bárbaros, de outro, o sistema de justiça como um garantidor de direitos e garantias fundamentais, que vale não apenas para os ora acusados, mas para toda a sociedade”. Segundo ele, garantir a aplicação da lei se traduz em segurança jurídica, à medida que assegura para toda a coletividade, a aplicação da lei, seja boa ou ruim, como forma de garantia de que ninguém será mantido preso de maneira ilegal, ou seja, trata-se de limitação do exercício de poder do Estado.

“No caso, a decisão do ministro Marco Aurélio limitou-se a reconhecer a ilegalidade dos atos anteriores, dada a ausência de revisão da necessidade da prisão cautelar, o que, convenhamos, é bastante simples. Para se chegar a este ponto, houve não somente a inércia quanto a decisão de revisão da necessidade da prisão, mas a ausência de requerimento por qualquer dos interessados, seja pelo Ministério Público e até mesmo pela polícia judiciária”, explica.

André do Rap agora é considerado foragido da Justiça, e as forças de segurança já estão se mobilizando para sua recaptura. “Justamente por se tratar de um indivíduo tão perigoso, era dever do Ministério Público e do Juízo ficar atentos ao processo e dar a ele a legalidade necessária para o ato. Não faz sentido depositar a culpa no ministro que cumpriu o texto da lei”, critica o advogado.

Sobre Vinicios Cardozo, advogado, especialista em Direito e Processo Penal pela Academia Brasileira de Direito Constitucional – ABDConst, sócio e coordenador do núcleo de ações criminais e de complience officer do do escritório GMP | G&C Advogados Associados, coordenador do Grupo Permanente de Pesquisas “Teses Defensivas” na OAB Paraná e presidente da Comissão dos Advogados Representantes da Subseção de São José dos Pinhais no Foro Regional de Piraquara.

 

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