O entendimento que considera que os condomínios têm apenas capacidade postulatória ou capacidade para estar em juízo, mas não possuem personalidade jurídica, antagoniza-se com a realidade.
“Reconhece-se que o condomínio tem o direito de cobrar em juízo os valores condominiais, podendo, para prestigiar este seu direito processual, adjudicar ou arrematar a unidade interna penhorada, bem como aliená-la subsequentemente para efetivar o recebimento do crédito judicial.”
Quem assim decidiu foi o juiz Venício Antônio de Paula Salles, de São Paulo, ao julgar dúvida levantada pelo oficial do 2o Registro de Imóveis da Capital, em procedimento administrativo intentado por condomínio que pleiteava alvará para lavratura de escritura de venda e compra e registro de unidade autônoma que arrematara em leilão motivado pelo não pagamento de taxas condominiais.
A sentença do juiz contraria toda a jurisprudência dominante sobre o tema, que não reconhece ao condomínio o direito de adquirir e alienar imóveis, sob o argumento de que não tem personalidade jurídica, mas apenas capacidade processual ou postulatória. O texto tem nove páginas (fonte: boletim eletrônico Irib/AnoregSP #929) e merece ser examinado em sua íntegra.
Ao analisar o conteúdo social em que vicejam os condomínios, o magistrado argumentou (resumimos):
1. As relações individuais vêm cedendo espaço para entidades e grupos aglutinadores de pessoal. Associações são criadas para a defesa de interesses e desideratos comuns. Também os condomínios conquistaram mais espaço e mais relevo.
2. As mutações sociais devem inspirar uma reapreciação da legislação em vigor, não se reduzindo as novas atribuições sociais do condomínio por motivos exclusivamente formais.
3. Nos grandes centros urbanos, os condomínios desempenham funções múltiplas, indo muito além das tarefas ligadas à conservação física e estética dos prédios.
4. Condomínios respondem perante terceiros, firmam contratos, contratam empregados, são reclamados em ações trabalhistas, cumprem obrigações fiscais, recolhem imposto de renda como fonte pagadora, e também contribuições previdenciárias.
5. Realizam obras e reformas, adquirem equipamentos, possuem veículos e são protagonistas de contratos coletivos (televisão a cabo, internet etc.).
6. Os condomínios também administram valores expressivos, aplicando no mercado financeiro, respondem civilmente pelos acidentes que eventualmente venham a ocorrer em suas dependências, enfim, exercem funções que vão muito além da antiga missão de apenas arrecadar as taxas condominiais para fazer frente às despesas com a manutenção do prédio.
Em função destes e de outros fundamentos que expõe em sua sentença, o juiz Venício Antônio de Paula Salles defende que o entendimento que considera que os condomínios têm apenas capacidade postulatória ou capacidade para estar em juízo, mas não possuem personalidade jurídica, se antagoniza com esta realidade.
Diz que os fatos e o avanço social reclamam por um novo tratamento e uma nova abordagem, pois a intensidade da vida jurídica dos condomínios determina uma inversão acentuada, para efeito de se considerar como regra e não como exceção as disposições legais que admitem sua personalização (Lei 4.591/64, art. 63).
Entende, ainda, que o reconhecimento de personalidade jurídica para os condomínios não acarreta qualquer ameaça para os interesses dos condôminos, pois é a assembleia condominial que decide sobre a gestão, os destinos e a forma de proceder do condomínio.
Esta foi a primeira decisão neste sentido de que tomei conhecimento. Hoje já se encontram mais como, por exemplo, a decisão do desembargador Romeu Ricupero, do Tribunal de Justiça de São Paulo, no Agravo de Instrumento n. 1166098/2008, em que consta da ementa: “Alegação fundamental de que o condomínio, não possuindo personalidade jurídica, não pode adjudicar bem imóvel – Inadmissibilidade – Na realidade, o condomínio em edifício distingue-se perfeitamente da pessoa de cada um dos condôminos – Consequentemente, nada mais razoável do que considerá-lo com personalidade jurídica para, uma vez autorizado por sua assembleia geral, realizar as aquisições de que necessite, ou as alienações de seu interesse”.
O voto está muito bem embasado na tese de J. Nascimento Franco (cf. “Condomínio”, 5ª edição, São Paulo, Editora Revista dos Tribunais, 2005, Título VII, Capítulo I, p. 317-330), da qual destacamos: “caberá aos Tribunais renderem-se à realidade e admitirem a personalidade jurídica do condomínio especial para todos os atos relacionados com os seus fins. Numa abordagem objetiva do tema, o jurista Calor Alberto Dabus Maluf disserta sobre a inconveniência de se negar a realidade do condomínio como pessoa jurídica, invocando, como exemplo, caso concreto em que se perdeu opção de compra de um terreno contíguo que resolveria o grave problema da falta de vagas para estacionamento de veículos, diante da impossibilidade de se reunirem numa escritura 200 (duzentas) pessoas (esse era o número de condôminos) para a compra em seu nome, já que o tabelião se recusava a lavrar a escritura dando como comprador o condomínio, representado pelo síndico.” Além disso, cita o estudioso outros casos pioneiros decididos no sentido do entendimento que defende.
Para complementar, encontram-se decisões vislumbrando a personalidade jurídica do condomínio para adquirir imóveis também no Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (Apelação Cível n. 70024755506, de 2008: “Tratando-se de condomínio devidamente registrado no Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica (CNPJ), com número próprio e não se tratando somente de sociedade de fato, tem ele personalidade jurídica para adquirir imóveis”).
Contudo, ainda é mais fácil encontrar jurisprudência com o entendimento contrário a este aqui exposto.