Protesto de crédito originário de contrato de locação – Parte II

Entendemos, com o devido respeito, que o raciocínio do Tribunal está equivocado, e deixou de atender tanto à letra da lei, quanto ao seu propósito.

Segundo a doutrina e a jurisprudência, os títulos executivos por definição representam créditos líquidos, certos e exigíveis. Estas características não guardam relação direta com os princípios do contraditório e da ampla defesa, e decorrem diretamente da lei: se a lei estabelece que determinada obrigação, caso atenda a certos requisitos, constitui título executivo, então esta obrigação será líquida, certa e exigível.

Trata-se de uma questão de ordem lógica. Uma obrigação ilíquida deverá antes ser fixada em relação à qualidade e quantidade dos bens devidos, sob pena de ser impossível ao devedor cumprir a obrigação – e se é impossível ao devedor cumprir voluntariamente seu dever, ao credor também não é possível exigir o cumprimento em juízo.

Entendemos, assim, que uma obrigação não pode ser considerada líquida para fins de execução e ilíquida para fins de protesto, como declarado pelo Superior Tribunal de Justiça. O contraditório e a ampla defesa não guardam relação direta com o conceito de liquidez de uma determinada obrigação, e, de todo modo, o protesto em si (de qualquer título, não só dos créditos derivados dos contratos de locação) não inibe e nem dificulta a tutela jurisdicional: uma pessoa que sofra um protesto indevido poderá demandar sua baixa em juízo, e requerer a devida reparação por danos materiais e morais.

Da mesma maneira, a Lei 9.492/1997 estabelece que estão sujeitas a protesto as obrigações originadas em títulos e outros documentos de dívida , sem mencionar quaisquer restrições quanto à segurança do título protestado, ou acerca de sua liquidez. O voto vencido, apresentado no corpo do acórdão analisado pela Ministra Relatora Laurita Vaz, declara, a nosso ver de maneira correta, que “(…) a melhor interpretação a ser adotada quanto à vexata quaestio é aquela segundo a qual o legislador, quando estendeu para além dos títulos cambiários, a possibilidade de protesto de “outros documentos de dívida”, teve a intenção de fazê-lo também para abarcar os títulos executivos judiciais e extrajudiciais previstos na Lei Adjetiva, inserido, nessa hipótese, o contrato de locaç&ati lde;o”.

Finalmente, a questão acerca da possibilidade de protesto de créditos derivados da relação locatícia é extremante relevante sob o ponto de vista social.

A Lei 12.112/2009, que recentemente alterou a Lei 8.245/91 (a Lei de Locações), seguiu uma tendência já bem fixada no ordenamento jurídico brasileiro, no sentido de estimular a rápida satisfação das pretensões do locador, seja quanto à retomada de seu imóvel, seja quanto à execução de seus créditos. Neste sentido, o protesto é um instrumento eficaz para estimular o adimplemento dos débitos locatícios – e não se pode esquecer que as dívidas originadas de relações locatícias são frequentemente parte essencial do orçamento de seus titulares, sejam estes pessoas físicas ou jurídicas.

Concluímos, assim, que o acórdão analisado não deu a melhor solução ao caso. O ordenamento jurídico brasileiro sofreu diversas alterações destinadas a defender os direitos do locador, de modo a resguardar a fonte de renda representada pelo aluguel, o que representa um forte motivo para interpretar a lei de maneira favorável a este.

Por outro lado, e com o devido respeito ao posicionamento contrário, entendemos que o acórdão sob estudo é baseado em uma interpretação incorreta do conceito de título executivo. Um determinado ato jurídico, capaz de embasar a tutela judicial executiva, não pode ser considerado líquido para fins de execução e ilíquido para fins de protesto, por uma questão lógica – se o título fosse ilíquido, não poderia jamais ser executado.

Portanto, e em última análise, entendemos que a Lei 9.492/97, interpretada em conjunto com o Código de Processo Civil, permite sim o protesto de créditos derivados de contratos de locação.

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Protesto de crédito originário de contrato de locação – Parte I

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