A divergência diz respeito ao uso de parte da receita de leilão judicial para cobrir despesas condominiais não mencionadas no edital de praça, ponto em que a lei é omissa. Baseando-se em interpretação holística do direito, o Superior Tribunal de Justiça chegou a solução inteligente.
Em acórdão relatado pela ministra Nancy Andrighi (RE n. 1.092.605-SP), inicia ela seu raciocínio dizendo que “cinge-se a controvérsia a determinar se o arrematante pode pedir a reserva de parte do produto da alienação judicial para fins de pagamento dos débitos condominiais anteriores à arrematação e que não constaram do edital de praça”.
E segue no mesmo tom: “Embora a lei não tenha, expressamente, contemplado a possibilidade de o arrematante requerer a reserva de valores para o pagamento de débitos condominiais incidentes sobre o imóvel e não mencionados no edital de praça, uma visão lógico-sistemática do ordenamento jurídico conduz a essa conclusão.”
A lógica da julgadora parte da premissa de que a obrigação dos condôminos de contribuir com a manutenção da coisa comum (assim como de pagar os tributos incidentes sobre o imóvel) é “propter rem”, vale dizer, “garantida pelo próprio imóvel que deu origem à dívida”. Com relação a débitos tributários (IPTU) anteriores à arrematação, a lei estabelece que serão quitados com o valor obtido na alienação judicial (CTN, art. 130, parágrafo único). “Esse entendimento – enfatiza a ministra relatora –, à luz da unidade axiológica do ordenamento jurídico, também deve ser aplicado às dívidas condominiais. Assim, se a unidade condominial for levada à hasta pública, o crédito do condomínio – não havendo ressalvas no edital de praça – deverá ser satisfeito com o produto da alienação judicial.”
Na fundamentação de sua tese, a ministra Nancy Andrighi lembrou que o art. 694, inciso III, do Código de Processo Civil estabelece que a ausência de menção de ônus incidente sobre o imóvel arrematado pode “tornar a arrematação sem efeito”, mas oferece melhor alternativa, consentânea com o desejo de uma justiça mais rápida e simples: “Contudo, é preferível – aplicando-se o art. 244 do CPC à arrematação – que, ao invés de anulá-la pela existência de ônus não mencionados no edital, preserve-se o ato e reserve-se parte do produto da hasta para quitação dos referidos débitos.”
Cita acórdão de sua lavra (Resp. 540.025-RJ), no qual argumentou que a anulação da arrematação pela existência de ônus não mencionados no edital, traz “indesejáveis e dispendiosas consequências”, como “a retomada do curso do processo executivo, nova avaliação do bem penhorado, nova publicação de editais, nova realização de praças etc.”, o que vai contra “a tendência mais marcante do texto positivo (CPC)”, que é a “de evitar ao máximo que ocorram nulidades”.
Antes de dar provimento ao recurso especial, a relatora ainda se pronunciou do sentido de “ressaltar, por fim, que o entendimento acima exposto aplica-se também às hipóteses em que o arrematante é o exequente, pois não seria legítimo – tendo o ordenamento jurídico permitido a sua participação na hasta pública – conferir ao credor-arrematante uma posição jurídica mais desvantajosa pelo simples fato de ser o exequente”.
Os ministros Massami Uyeda, Sidnei Beneti, Paulo de Tarso Sanseverino e Ricardo Villas Bôas Cueva votaram com a ministra relatora.