Advogado analisa a demissão por justa causa em tempos de pandemia

Mesmo com diversas interferências legislativas nas relações de emprego durante a pandemia de Covid-19, nada mudou em relação à demissão por justa causa de empregado que incorrer em uma das faltas graves previstas na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), explica Rafael Humberto Galle, advogado trabalhista. “O trabalhador pode ser desligado nesta circunstância, mesmo que esteja em pleno gozo de estabilidade provisória devido à suspensão e ou redução proporcional de contrato e salário prevista pela Lei nº14.020 de 2020 – Programa Emergencial de Manutenção do Emprego e Renda”, complementa.

Galle observa que a CLT em seu art. 482 descreve quais as faltas passíveis de demissão por justa causa. Entre elas estão o ato de improbidade, incontinência de conduta ou mau procedimento, a negociação habitual por conta própria ou alheia sem permissão do empregador, e quando constituir ato de concorrência à empresa para a qual trabalha o empregado, ou for prejudicial ao serviço, a condenação criminal do empregado, passada em julgado, caso não tenha havido suspensão da execução da pena e desídia no desempenho das funções.

Também integram o rol de faltas graves: embriaguez habitual ou em serviço, violação de segredo da empresa, ato de indisciplina ou insubordinação, abandono de emprego, ato lesivo da honra e boa fama praticado no serviço contra qualquer pessoa, ou ofensas físicas, nas mesmas condições, salvo em caso de legítima defesa, própria ou de outrem, ato lesivo da honra ou da boa fama ou ofensas físicas praticadas contra o empregador e superiores hierárquicos, salvo e caso de legítima defesa, própria ou de outrem, prática constante de jogos de azar, e perda da habilitação ou dos requisitos estabelecidos em lei para o exercício da profissão, em decorrência de conduta dolosa do empregado.

Rescisão contratual

O advogado lembra que o poder diretivo do empregador permite a aplicação de punições a empregados, inclusive, a rescisão contratual de forma motivada, porém, esse poder diretivo não é absoluto, tendo como seu limitador o princípio da proteção ao trabalhador, insculpido no art. 9° da CLT.

Portanto, “para aplicar a justa causa, além da configuração de uma das faltas graves previstas em lei, é necessário que o empregador observe os requisitos de validade dessa modalidade rescisória, quais sejam, a legalidade, a proporcionalidade, a imediatidade, a ausência de bis in idem e a não discriminação, sem os quais, poderá o ato, ser judicialmente declarado nulo, convertendo a justa causa em demissão sem justa causa”.

Caso o empregado demitido por justa causa considere injusta a modalidade de rescisão contratual, poderá procurar um advogado especialista em Direito do Trabalho para que analise o ato do empregador e avalie se trata-se ou não de uma demissão arbitrária com possibilidade de reversão por meio de uma reclamatória trabalhista.

Requisitos legais

“A justa causa é a pena mais grave que o empregador pode aplicar ao seu empregado, sendo que em caso de ação trabalhista pleiteando a reversão do ato, cabe ao próprio empregador o ônus da prova quanto à causa ensejadora da ruptura contratual por dispensa motivada, pois a mera existência de uma ou algumas faltas pontuais tendem a não ter gravidade suficiente para a imediata ruptura do vínculo empregatício por justa causa”, observa Galle. Segundo o advogado, o empregador deve comprovar de forma robusta que cumpriu com os esses requisitos da legalidade, da imediatidade, da gravidade do fato, do nexo de causalidade, da proporcionalidade e da ausência de bis in idem quanto a penalidade.

Se houver ausência da falta grave que impeça a continuidade da relação de emprego ou desrespeito aos requisitos para aplicação da penalidade, “o empregado poderá reverter a justa causa judicialmente, recebendo todas as diferenças de verbas rescisórias, e, eventualmente, indenização por danos morais nos casos em que comprovar que ao lhe imputar a falta grave o empregador lesionou a sua honra e boa fama”, ressalta.

Reversão da demissão

Galle sublinha que ações que pleiteiam a reversão da demissão por justa causa são corriqueiras na Justiça do Trabalho e não é diferente durante a pandemia de Covid-19. Para ele, ainda é cedo falar em uma mudança estrutural na análise dos casos exclusivamente em razão dessa situação. “Mas é necessário que tanto os advogados trabalhistas quanto os magistrados se atentem ainda mais aos casos de demissão por justa causa, porque com adoção do Programa Emergencial de Manutenção do Emprego e Renda previsto na Lei 14.020/2020, cria-se o período de garantia provisória no emprego, isto é, o contrato somente poderá ser rescindido a pedido do próprio empregado ou mediante aplicação de justa causa”.

O advogado salienta que devido à dificuldade de retomada das atividades de alguns segmentos econômicos, após cessado o período de redução proporcional ou de suspensão do contrato de trabalho, muitos empregadores poderão forçar a configuração de falta grave passível de demissão por justa causa, simplesmente porque não conseguirão arcar com todo o custo da sua folha de pagamento durante o período estabilitário, o que deverá ser analisado e revertido judicialmente a fim de salvaguardar os direitos trabalhistas do empregado em pleno gozo da garantia provisória de emprego.

Judicialização

Por se tratar de medida extremamente grave e excepcional, que afetará de sobremaneira a vida profissional do empregado, antes de aplicar uma demissão por justa causa é importante que o empregador consulte o seu jurídico trabalhista para certificar-se de que aquela é a medida mais adequada para rescisão contratual, recomenda Galle.

“Tal cuidado deve ser tomado em razão do alto índice de judicialização das demissões por justa causa que, certamente, serão revertidas se o empregador não comprovar de forma robusta que cumpriu com todos os requisitos de validade, bem como, que a falta disciplinar ensejadora daquela modalidade de rescisão contratual foi capaz de tornar impossível a continuidade daquela relação de emprego devido à quebra de fidúcia inerente ao contrato de trabalho”, pondera o advogado.

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Sobre Rafael Humberto Galle– advogado, especialista em Direito do Trabalho pela Academia Brasileira de Direito Constitucional – ABDConst, pós-graduando em Advocacia Trabalhista na Escola Superior de Advocacia Nacional – ESA, sócio do GMP|GC Advogados Associados, coordenador do núcleo de assessoria e consultoria trabalhista e do núcleo de Assessoria e compliance trabalhista. Membro da Associação de Advogados Trabalhistas do Paraná e da Comissão dos Advogados Representantes da Subseção de São José dos Pinhais no Foro Regional de Piraquara.

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