Para quem ainda pensa que a lei nasce perfeita, sem defeitos congênitos, erros, lacunas e perversões, a reforma da Lei de Locações, operada pela Lei 12.112/09, mostra que mesmo normas disformes podem ser consertadas. Inicialmente pela Justiça e, depois, pelo próprio legislador, mesmo passados quase vinte anos.
Explica-se. Quando aprovada, a Lei de Locações (8.245/91) cometeu grave erro de datilografia ao passar por uma de suas comissões. Ao ser revisado o artigo que trata da caução necessária para realizar a execução provisória do despejo, o texto ficou assim assentado:
“Art. 64. Salvo nas hipóteses das ações fundadas nos incisos I, II e IV do art. 9º, a execução provisória do despejo dependerá de caução não inferior a doze meses e nem superior a dezoito meses do aluguel, atualizado até a data do depósito da caução.”
No artigo citado (9º), verifica-se que o legislador, insensatamente, deixou de incluir a “falta de pagamento do aluguel e demais encargos” como motivo que ensejaria execução provisória livre de caução, permitindo-a só em três hipóteses de despejo: “I – por mútuo acordo; II – em decorrência da prática de infração legal ou contratual; (…) IV – para a realização de reparações urgentes determinadas pelo Poder Público, que não possam ser normalmente executadas com a permanência do locatário no imóvel ou, podendo, ele se recuse a consenti-las”.
Como revelou o jurista Silvio Capanema de Souza em palestra promovida pelo Secovi-Pr, a intenção do legislador fora a de facilitar o despejo em três hipóteses: I (acordo), III (falta de pagamento) e IV (reparações urgentes), ficando de fora o inciso II (infração legal), mas, por erro, descuido de uma das comissões revisoras, o texto final acabou sendo aprovado com a troca de dois incisos, o III (falta de pagamento) pelo II (infração legal). O imbróglio só não foi pior porque, como sempre acontece em casos semelhantes, a atuação dos advogados criativos e dos juízes com espírito alternativo permitiu que o próprio imóvel ou os aluguéis vencidos e não pagos fossem dados como caução, evitando que o locador fosse obrigado a depositar de doze a dezoito meses de aluguel nas ações de despejo por falta de pagamento, se quisesse executar de imediato a sentença sem aguardar recurso e trânsito em julgado.
Com a alteração aprovada em 2009 e que entrou em vigor em 25.01.2010, o artigo malsinado ficou assim redigido:
Art. 64. Salvo nas hipóteses das ações fundadas no art. 9º, a execução provisória do despejo dependerá de caução não inferior a 6 (seis) meses nem superior a 12 (doze) meses do aluguel atualizado até a data da prestação da caução.
Além de incluir todas as hipóteses de despejo previstas no artigo 9º (incisos I, II, III e IV), a lei facilitou a vida do locador em outras ações de despejo, reduzindo o valor da caução para um mínimo de seis e um máximo de doze meses de aluguel atualizado. No caso de falta de pagamento, infração de obrigação legal, mútuo acordo e reparações urgentes, não há necessidade de caução.
É por isso – para interpretar com sabedoria leis defeituosas e, às vezes, mal intencionadas – que necessitamos de Juízes em Berlim, digo, no Brasil, e por sorte os temos.