“Não apresenta conotação de posse o poder de fato exercido sobre bem imóvel por aquele que o conserva em nome de outrem decorrente de relação empregatícia, assim como não induzem posse os atos de mera permissão ou tolerância.”
O trecho acima foi destacado da ementa de acórdão do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, relatado pela magistrada Sônia Maria Schmitz, em ação de reintegração de posse movida por município catarinense, sob a alegação de ser proprietário e possuidor da área onde “antigamente havia uma horta municipal, bem como uma casa destinada à guarda de ferramentas” e que fora ocupada pelo réu e outros em data imprecisa, tendo lá permanecido mesmo após a cessação do vínculo empregatício com o município em 1994.
Em contestação e reconvenção, alguns ocupantes alegaram que o réu maior (pater famílias) “exercia a função de zelador do imóvel, possuindo permissão do autor para residir no local”, onde teriam realizado benfeitorias e prestado serviços indenizáveis.
Na sentença de primeiro grau, o juiz local ressaltou que “há prova também da notificação administrativa promovida pelo Município para que os réus desocupassem o imóvel”, em 2002, a partir de quando ficou caracterizado o esbulho, “já que a contar da notificação para desocupação” (…) a permanência dos réus no imóvel “estaria alheia à justa causa ou boa-fé”. Também julgou improcedente o pedido de indenização “sobre os serviços prestados de guarda/zeladoria sobre o imóvel, eis que incompatível com a ação principal de reintegração de posse”.
Quanto à alegação de posse sobre o bem, o entendimento do juiz singular e do TJSC tampouco beneficiou os ocupantes, porque “enquanto funcionário do Município [fulano de tal] era apenas um preposto da municipalidade, atuando como autêntico detentor/fâmulo da posse. Após sua aposentadoria, o que houve foi ato de mera tolerância por parte do Município, fato este que não tem o condão de validar e legitimar a posse (…), não lhe conferindo o direito à indenização pelas benfeitorias ou acessões”.
O fundamento legal da assertiva está no Código Civil vigente: “Art. 1.198. Considera-se detentor aquele que, achando-se em relação de dependência para com outro, conserva a posse em nome deste e em cumprimento de ordens ou instruções suas.”
No caso dos autos, explica a relatora Sônia Maria Schmitz, “não houve ato ou negócio jurídico bilateral conferindo (…) o ‘status’ de ‘possuidor’” ao réu principal, que “sempre soube que a área não lhe pertencia, jamais podendo alegar boa-fé”, e, “se optou por construir edificação sobre o terreno público, o fez por sua conta e risco”.
A farta jurisprudência juntada pela relatora mostra que o entendimento de vários tribunais sobre o assunto é semelhante, no sentido de que quem detém a posse sobre imóvel “na qualidade de comodatário, em virtude de contrato de trabalho”, uma vez extinto o vínculo empregatício, fica “com o dever de restituir o bem”, não fazendo jus “ao direito de retenção de imóvel por benfeitorias eventualmente acrescidas” (TA/PR, Ap. Cível n. 00068631-5).
Votaram com a relatora, na apelação n. 104428, da 3ª. Câmara de Direito Público do TJSC, os desembargadores Pedro Manoel Abreu e Wilson Augusto de Nascimento. A decisão é de agosto de 2010.
Luiz Fernando de Queiroz é autor do TPD-Direito
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