Como explica o relator, desembargador José Carlos Dalacqua, a ação de reintegração de posse foi movida com base na Lei 9.514/97 (art. 26), que rege o sistema financeiro imobiliário, facilitando a aquisição de imóveis com empréstimos garantidos por alienação fiduciária, sendo contestada pelo réu sob a alegação (entre outras) de que a execução e o leilão extrajudiciais seriam inconstitucionais e que o Código de Defesa do Consumidor (CDC) seria aplicável ao caso concreto.
Na apelação, o réu sustentou ainda que não teria sido observada a função social do contrato, tampouco a boa-fé contratual, que a lei é inconstitucional, que está em conflito com o art. 620 do Código de Processo Civil (CPC) e assim por diante.
Em seu voto, o desembargador José Carlos Dalacqua refutou exaustivamente todos os argumentos. Demonstrou, de início, que “a finalidade perseguida com a edição da Lei n. 9.514/97 (…) visa proteger o Sistema Financeiro Imobiliário e o de Habitação como um todo, garantindo que o fluxo de recursos para os programas de casa própria não fiquem estagnados (…), ou seja, prestigiando os bons pagadores em detrimento dos maus pagadores”.
O relator cita decisão do Superior Tribunal de Justiça, relatada pelo ministro Ilmar Galvão (recurso extraordinário n. 223.075-1/DF), que, de forma didática, demonstra que “no procedimento judicial, o receio de lesão ao direito do devedor tinha prevalência sobre o temor de lesão ao direito do credor. Adiava-se a satisfação do crédito, presumivelmente líquido e certo, em atenção aos motivos de defesa do executado, quaisquer que fossem”. Com a nova lei, porém, “inverteu-se a ordem, deu-se prevalência à satisfação do crédito, conferindo-se à defesa do executado não mais condição impediente da execução, mas força rescindente, pois, se prosperarem as alegações do executado no processo judicial de imissão de posse, desconstituirá a sentença não só a arrematação como a execução, que a antecedeu”. Por isso, “a venda efetuada pelo agente fiduciário” mostra-se como “meio imprescindível à manutenção do indispensável fluxo circulatório dos recursos destinados à execução do programa da casa própria…”
Concorda o relator: “Desta forma, resta claro que a função social do contrato foi observada, pois houve a proteção dos interesses da coletividade.”
Quanto ao choque da lei com o artigo 620 do CPC – por ser mais gravosa para o executado, quando comparada com qualquer outro meio –, o relator diz que “inexiste o alegado conflito, pois, pelo princípio da especialização deve prevalecer a Lei n. 5.514/97”, que disciplina “especificamente” o sistema de financiamento imobiliário.
Participaram do julgamento os desembargadores Carlos Mansur Arida (presidente, sem voto), Ruy Muggiati e o juiz convocado Luis Espíndola. Íntegra disponível no site do TJPR ou www.bonijuris.-com.br.
Perguntar não ofende: Se as cooperativas habitacionais adotassem filosofia mais próxima da decisão acima, estimulando o “fluxo circulatório” de seus recursos, não cumpririam com mais eficácia seu objetivo de propiciar casa própria para pessoas de baixa renda?
Luiz Fernando de Queiroz é autor do TPD-Direito Imobiliário e do Guia do Condomínio IOB
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